Pesquisa sobre pós-pandemia identifica três cenários para Curitiba; solidariedade é chave para futur
Pesquisadores do Instituto Sivis descrevem possibilidade otimista, intermediária e pessimista para superação da crise. Intenção do prognóstico é estimular cultura de colaboração para que a cidade consiga viver o melhor cenário possível, pautado em soluções coletivas de longo prazo
Curitiba poderá superar a pandemia de Covid-19 de pelo menos três formas distintas, levando a cidade a diferentes efeitos pós-crise. É o que revela uma pesquisa de cenários futuros possíveis desenvolvida pelo Cidade da Gente, iniciativa coordenada pelo Instituto Sivis. Com metodologia de pesquisa envolvendo mais de 500 curitibanos, a organização traçou três perspectivas futuras, que podem conduzir a cidade a um patamar mais otimista e solidário ou a um futuro mais egoísta e pessimista; ou ainda a um caminho intermediário e passageiro, no qual a colaboração entre os cidadãos vai embora junto com a pandemia. O objetivo dos organizadores do panorama local é despertar o debate sobre o futuro e mobilizar diversos atores em prol da concretização do cenário mais positivo para a cidade.
A pesquisa desenvolvida em três etapas incluiu entrevistas em profundidade, questionários online e realização de grupos focais. No método de pesquisa a amostra foi constituída de forma a se aproximar das características demográficas da cidade, buscando manter a quantidade de respondentes por região, faixa etária e gênero proporcionais à realidade.
Cenários possíveis
Os pesquisadores encontraram três possibilidades para o futuro de Curitiba. As descrições tratam dos principais caminhos que a comunidade local pode percorrer para vencer os desafios impostos pela pandemia do novo coronavírus e destacam a forma como os membros sociais vão interagir neste momento de incertezas. A pesquisa admite que hajam outros cenários possíveis, mas elencou aqueles que foram traçados a partir da percepção dos entrevistados.
Japona
O primeiro, nomeado “japona”, refere-se a um cenário intermediário entre o pessimismo e o otimismo com o futuro. Nele, a população vai usar de solidariedade e a colaboração para superar a crise - como usa uma japona nos dias frios. Mas depois que a tempestade passar, os bons hábitos serão esquecidos e a cidade voltará ao ritmo de vida sem aproveitar ações colaborativas de forma duradoura.
Gralha-azul O segundo cenário - mais positivo, foi batizado “gralha-azul”, em alusão à ave símbolo na região, conhecida pela semeadura do pinhão. Nele, a cultura de colaboração será semeada durante a pandemia e surtirá efeitos de longo prazo, alterando o relacionamento entre os mais diversos atores sociais e deixando como legado geracional práticas mais solidárias e colaborativas. As pessoas vão se engajar e buscar soluções conjuntas que transformarão a miséria em prosperidade.
Farinha pouca, meu pirão primeiro
No último e pior cenário, o “farinha pouca, meu pirão primeiro”, o curitibano adotará uma postura egoísta, centrada em resolver emergências pessoais que alargarão as distâncias entre grupos sociais, aprofundando a polarização, prolongando a crise e agravando o desemprego e a vulnerabilidade social. Haverá maior impacto na saúde e a crise econômica será encarada no âmbito individual, sem perspectivas positivas para a coletividade. O poder público, sendo forçado a resolver o aqui e o agora, ficará sem conseguir se planejar para o futuro
Os apontamentos surgem da análise de dados encontrados tanto na coleta qualitativa quanto quantitativa. “Tivemos vários indicativos de que a cidade tornou-se mais solidária neste período, mas, em contrapartida, houve sinalização de aspectos negativos, mais ligados à economia, segurança e preocupação pessoal com familiares”, explica a pesquisadora Camila Mont’Alverne. Segundo a Doutora em Ciência Política, as informações que se repetem nas três etapas de pesquisa servem de confirmação dos indícios e, se nada for feito, a capital do Paraná pode viver em um futuro próximo uma superação paliativa e insuficiente. “A gente tem uma propensão grande para esse cenário, da japona: as pessoas das comunidades vulneráveis estão desassistidas em certa medida e a forma como a sociedade está lidando com o isolamento social indicam que a cultura de colaboração não está sendo sólida o suficiente”, alerta.
Em busca do melhor destino
Para encontrar o melhor cenário futuro, não há segredo: o caminho deve ser a solidariedade e a cultura de colaboração. “Tem um grande elemento que precisa ser reforçado, apesar do lugar comum: é a solidariedade. É a chave para que os mais vulneráveis sejam atendidos neste momento e depois da pandemia também, porque a recuperação da crise também é muito difícil”, comenta Jamil Assis, Relações Institucionais do Instituto Sivis. Para ele, a articulação entre diversos atores sociais, envolvendo políticas públicas e rede de apoio será fundamental para manter a solidariedade e a coesão social, quando diversas partes que compõem a sociedade interagem de forma construtiva e com objetivos coletivos. “No cenário gralha-azul vamos conseguir coordenar essa colaboração e manter o trabalho coletivo, pensando como a gente arrecada e direciona os recursos”.
Em termos democráticos, o ano de eleições municipais deve ser canalizado para um debate amplo e inclusivo sobre o futuro. “Não podemos pensar apenas em quem vai ganhar, ser eleito, mas sim o que o eleito vai fazer como liderança desse momento de superação, com diálogo com toda sociedade”. Os cidadãos interessados em colaborar neste processo, podem acessar o site do programa e consultar boas práticas, bem como conhecer a descrição completa de cada um dos cenários identificados: cidadedagente.org.br/cenariosparacuritiba/
Medo do amanhã
Além de indicar perspectivas futuras, a pesquisa de cenários capturou as principais impressões dos curitibanos: 65,8% dos entrevistados estão com medo de que eles mesmos ou seus entes queridos adoeçam e sofram muito por causa da Covid-19. Já 71% estão com medo de que eles mesmos ou seus entes queridos sofram por conta de uma recessão econômica após a pandemia, indicando que há mais apreensão sobre os impactos financeiros do que de risco à vida. A maior preocupação dos curitibanos é com a família. 98,4% dizem se preocupar muito ou algo com os familiares. Mas eles também demonstram preocupação com a comunidade de forma mais ampla. 60,3% afirmam que se preocupam muito ou algo com os desconhecidos. 71,2% veem algum grau de aumento de solidariedade entre as pessoas durante a pandemia.
Metodologia
A metodologia de cenários possíveis é recomendada para situações de crise e incerteza e já foi usado em pesquisas importantes na África do Sul, em 1992, na dissolução do apartheid, na Colômbia, quando se inclui as FARC no diálogo para solução de conflitos; e atualmente é método do projeto Europa 2040.
Sobre o Cidade da Gente
O Cidade da Gente une lideranças de diversos setores da cidade – comunitárias, sociais, empresariais e governamentais – para encontrar soluções para melhorar a confiança e a colaboração em Curitiba. Dessa forma, a iniciativa procura fortalecer a cultura democrática local ao mesmo tempo em que busca caminhos que sejam também relevantes para outras cidades do Brasil e do mundo. Saiba mais em: www.cidadedagente.org.br.