Projeto de desenvolvimento comunitário oferece capacitação e suporte emocional para marisqueiras
Um pedido de socorro realizado durante um momento de desespero emocional mudou a vida de Cláudia Rodrigues (nome fictício), de 59 anos, em 2020. A marisqueira morava em uma casa em condições disfuncionais que abrigava 14 pessoas em uma região precária do município de Cabo do Santo Agostinho (PE). Com dois filhos que sofrem com alcoolismo, Cláudia se sentia extremamente deprimida e não conseguia sequer se levantar para fazer as tarefas do dia a dia. Ela contatou o Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral - CADI Gaibu e conquistou melhorias significativas na qualidade de vida: passou a fazer parte de atividades da organização, e foi encaminhada para acompanhamento terapêutico regular e estimulada a seguir terapia medicamentosa.
Desde então, Cláudia, assim como outras mulheres que apresentam quadros de depressão e/ou ansiedade, participa ativamente dos encontros de grupos de convivência para mulheres proporcionados pelo CADI Gaibu e sempre menciona seus benefícios. A organização criou o projeto Mulheres Força e Poder do Manguezal após o derramamento de petróleo que atingiu o litoral brasileiro e agravou as vulnerabilidades socioeconômicas das comunidades locais em 2019. Ao perceber o desamparo das mulheres e os efeitos causados pelo desastre ambiental, o CADI Gaibu decidiu que a iniciativa abordaria aspectos sociais, emocionais e técnicos para o trabalho das marisqueiras em 2020. A maioria delas não é alfabetizada ou possui baixa escolaridade e vive em comunidades tradicionais da pesca artesanal e/ou quilombos de Cabo de Santo Agostinho.
“Algumas mulheres tinham um quadro de depressão muito grave e outras sofrem com ansiedade. Conhecemos este público que não era atendido pela colônia de pescadores e trabalhamos muito a questão do empoderamento, o fortalecimento da identidade delas enquanto mulheres, dos vínculos comunitários e do senso de pertencimento territorial a partir de grupos psicoterapêuticos. Muitas dessas mulheres não conseguem acessar o benefício do INSS porque não possuem registro de pescadoras artesanais. Há mulheres de 40 anos com uma saúde e aspectos físicos equivalentes aos de pessoas com 60 anos”, relata Priscilla Barreiras, coordenadora do CADI Gaibu.
Fortalecimento de vínculos comunitários
Com o apoio do Fundo Casa Socioambiental por três anos seguidos e, no último ano, também com apoio da Prudential, a iniciativa proporcionou um serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, que abarcava questões sociais das mulheres, como o atendimento de seus filhos no período em que estavam no projeto, aspectos do relacionamento intra e interpessoal a partir de grupos psicoterapêuticos, oficinas de identidade individual e coletiva, e aspectos técnicos através de oficinas de artesanato com aproveitamento da casca de mariscos e práticas de beneficiamento do pescado, oferecendo suporte social, emocional e qualificação para 30 marisqueiras com idade entre 21 e 62 anos.
Enquanto as mulheres eram atendidas pelo CADI Gaibu, seus filhos participavam de oficinas lúdicas, como contação de histórias, desenhos e pinturas dentro da organização, o que possibilitou que as mães se dedicassem ainda mais à capacitação. “Desde o início, ficou claro que as mulheres sentem falta desses momentos, pois percebem que é um momento só para elas. Elas gostam muito dos grupos, pois se desligam da dura e pesada realidade do dia a dia, na qual precisam lidar com seus companheiros, filhos ou netos em contextos de dependência química. É o momento em que elas podem, pelo menos uma vez por semana, se concentrar um pouco em si mesmas. E o que as anima muito também é o momento de ir à mesa quando o encontro é finalizado com um lanche e boas conversas”, acrescenta Priscilla.
Durante a pandemia, nos anos de 2020 e 2021, outros parceiros auxiliaram o projeto voluntariamente e de maneira desprogramada no intuito de garantir a soberania alimentar das mulheres por meio da doação de cestas básicas. Entre eles estavam o Itaú Social, a Igreja Anglicana da Cidade, a Igreja Luterana e o Exército Brasileiro. Em 2021, o projeto foi nomeado como Frutos do MangueMar e introduziu oficinas de beneficiamento do pescado e gestão financeira, que teve como objetivo principal consolidar a identidade produtiva das pescadoras e marisqueiras, desenvolver o processo de agregar valor ao pescado e seguir as orientações técnicas para uma boa produção e comercialização dos produtos, ampliando o trabalho e a renda das participantes e contribuindo para suas capacidades de gerenciamento financeiro.
A Fiocruz também apoiou a iniciativa por meio de ações focadas na saúde da mulher na pesca. A participação e o engajamento de Eline Maria, 51 anos, chamaram a atenção da ONG. A marisqueira se destacou nas atividades de artesanato e na produção do beneficiamento do pescado e começou a participar de feiras e outros eventos. Além de encontrar um espaço para o fortalecimento dos vínculos, Eline começou a receber encomendas e a aumentar sua renda.
Segurança alimentar
Em 2022, a iniciativa recebeu o apoio da Prudential e foi denominada como Projeto Mulheres do MangueMar e introduziu oficinas de gestão financeira para potencializar ainda mais os resultados do trabalho das marisqueiras. Outro foco do projeto foi a divulgação de cinco produtos realizados a partir do pescado: empanado de peixe, pescado salgado e seco, pescado defumado, pescado em conserva, língua de peixe e hambúrguer de pescado. Dessa maneira, as participantes foram capacitadas não apenas para a produção dos alimentos, como também para disseminar seus trabalhos com a finalidade de aumentar a segurança alimentar e a renda de suas famílias.
O projeto também realizou um intercâmbio com outro grupo de marisqueiras e agricultores do local para a troca de conhecimento e experiências. “O resultado foi muito positivo porque trouxe muitos benefícios tanto para elas como para nós. Fala-se muito da independência financeira, mas vendo as rodas de conversa nos grupos psicoterapêuticos e o desabafo dessas mulheres, percebemos que essa dependência vai muito além do financeiro. Se elas não estiverem bem emocionalmente e possuírem consciência da sua identidade e do que podem trabalhar internamente, somente a independência financeira não fará com que sejam saudáveis. É uma dependência financeira e emocional. Há mulheres que participaram da iniciativa para sair de casa, que normalmente representa o nosso refúgio”, finaliza a coordenadora do CADI.
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